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24 de dezembro de 2015

Epifania


- Então é Natal, certo?
                Ele colocou a comida na mesa. Não escutava nada, porque estava com os fones de ouvido. Contou os assentos e pegou os talheres e os pratos.
                - Então é Natal! – suspirou.
                - Foi o que eu acabei de falar.
                Seu olhar estava distante, mirando fixamente em um ponto específico.
                - O quadro está torto...
                Não se moveu. Seus pés doíam, suas pernas estalavam de cansaço e seus braços não agüentariam fazer mais força. Ficou assim, como estava. Imóvel. Ninguém se importaria. A comida iria acabar e ele ainda estaria com fome.
                - Você está bem?
                - Você é um idiota!
                Virou-se, bruscamente. Puxou a toalha de mesa e ouviu o barulho ensurdecedor de pratos, taças, tigelas e porcelanas quebrando. Abaixou-se e jogou pedaços do peru na parede. O marido, ainda mais branco, estava perplexo. Não ousava se mexer. Tão previsível.
                - Você é um idiota!
                Pegou os pedaços da melancia e saiu, batendo a porta ao passar. Devorou, um a um, enquanto andava apressado pela rua iluminada pelas luzes de pisca-pisca. Bateu na porta de uma casa vizinha a sua e foi atendido por um homem alto, moreno, cabelo curto e encaracolado, peito peludo e um sorriso encantador. Não esperou ser convidado. Agarrou o vizinho e o beijou, longamente, desesperadamente. Ele fechou a porta com um pontapé e saboreou o gosto de melancia com seus lábios experientes, acostumados a beijar aquela boca. Seus braços jogaram-no no sofá e ele tirou sua bermuda. A visão daquele corpo moreno deixou ele sedento. Seu olhar encontrou os olhos castanhos do vizinho e os dois sorriram, maliciosamente.
                - Cansou do marido?
                - Ele é um idiota. Natal com ele não tem emoção.
                O vizinho sorriu. Amaram-se e comeram toda a comida. Com o outro sempre sobrava. Deitaram um no outro e conversaram horas. Com o outro sempre acabava em sono.
                - Trouxe melancia.
                - Então é Natal, certo?
                Dessa vez ele escutou. Sorriu. Os dois se entendiam.
                - Se ficar aqui podemos dormir de conchinha.
                - Eu sei que você gosta, mas amanhã eu vou embora.
                - Ok. Eu sei que você volta.
                - Eu sempre volto.
                Suspirou, com a barriga cheia.
                - Então é Natal!
21 de dezembro de 2015

Mar


Sou seu, 
Nos olhos, olhares, desejos, 
É seu o meu beijo, 
O meu corpo inteiro,
O coração calejado
E o mais intenso dos desejos. 
É seu, 
Seu o ardor da marca dos seus braços,
A entrega sem medo, 
As lágrimas da intimidade
E o desespero. 
Seu, 
Tão seu, 
O meu amor inteiro
Que não é preciso medo, 
A não ser o temor de se afogar. 
Meu corpo e alma são o barco, 
Você, o marinheiro! 


21 de novembro de 2015

Encontros e desencontros




No ponto de ônibus
Um primeiro desencontro: 
Meu olhar não cruzou o seu. 
Na cozinha o primeiro beijo, 
Na cama matamos o desejo
E lá ficamos, você e eu, 
Dormimos, acordamos. 
Na sala, o primeiro encontro:
Seus olhos buscavam os meus. 
Nesse jogo quem ganhou?
Quem perdeu?
Você ou eu?

No quarto o primeiro passo,
Eu fui seu (namorado)
e caímos no buraco. 
Amar não é se jogar no precipício?
Sua mão procurou a minha
E saímos de mãos dadas,
Na rua, na casa, no quarto, na praça. 
Beijamos, , amamos, sorrimos
E eu não sei por que
Seus olhos fugiram dos meus
E voltaram, 
Quando meus olhos não olhavam.
Amar não é amar de novo?

Você me pegou nos braços,
Me botou no colo.
Eu não deixei você cair
Mas eu estou aqui, 
No chão:
O desencontro final. 
Eu prometo sair
Quando a chuva parar de cair.
Eu prometo enxugar as lágrimas
Prometo abrir a porta de casa
Quando eu esquecer que você também chorou, 
Me apertou, me abraçou, me segurou
Não quis que eu fosse embora 
Quando você me deixou. 
Porque sua voz disse adeus,
Enquanto seus olhos ainda queriam os meus.  
21 de agosto de 2015

Saudade de ser seu



E o amor que tenho aqui dentro
Corre aos ventos,
Suave, selvagem, ligeiro
Não se encaixa na finitude do verbo
E não cabe no peito,
Trans-borda:
Além, muito além.

Quem o mantém?
Quem o sustenta?
Quem acalenta a chama que o tem?
Quem?
Quem?
Quem é que explode em gozo, em choro, em ardor?
Quem é que acende o meu amor?
Quem?
Quem?

O coração palpita e sussurra,
Não grita,
Que não assusta:
Quem acende são seus olhos de maresia,
Mergulhados no seu sorriso de porcelana,
Afogados no toque da sua mão na minha,
Acalentado por sua doce voz que diz que grita que me ama.
Não tem segredo:
Essa beleza fresca que afarta meus olhos famintos
E saciam meus lábios vadios,
Esses passos decididos,
E o carinho arredio,
E esse jeito de homem-menino,
Dessa voz de quem pede sorrindo,
Esse abraco que sufoca o infinito,
Esse corpo que provoca arrepios,
Esse beijo que beija e dá calafrio
E essa língua de satírico
Ah,
E por tudo isso e mais um pouco
Por mais um pouco e isso tudo,
Te amo,
Tanto, que não me engano,
E muito, que já me preocupo
Com essa saudade de ser sempre seu.

25 de abril de 2015

Surpresa

Como eu poderia adivinhar que aqueles olhos travessos
Atravessariam, serenos e límpidos, os meus olhos pequenos?
Como poderia eu saber que aquelas mãos agitadas
Aqueceriam os meus braços com a calma de um abraço?
Como saberia que o seu jeito impetuoso
Impetuosamente fizesse de mim sua proteção
Na ânsia em me amar?
Como prediria que sua sede de amor, infinita,
Só por mim se saciaria?
Como prenunciar que a falta que o homem da minha vida me fazia
Era uma falta dividida?
Como profetizar que estávamos destinados a nos amar?

No entanto, como duvidar?


15 de março de 2015

Assim...

Os cobertores... Ah, os cobertores... A metáfora perfeita de uma vida perdida (ou ganhada) em abraços, afagos e beijos. Os cobertores que cobriram os nossos corpos na primeira e na última vez não são os mesmos, mas os cobertores vem nos cobrindo e descobrindo, fazendo a cobertura de nossos abraços desengonçados e sendo cobertura de nossos corpos enlaçados. Viveríamos debaixo das cobertas, acobertados no infinito afago de nosso amor aberto e descoberto. Viveríamos dentro da colcha de retalhos das palavras que não dizemos e das milhares de letras que não precisaram ser ditas. Nós nos acobertamos dentro de nós mesmos, descobertos de qualquer segredo ou medo.


Mas, assim, nu, é melhor. Assim descoberto e já sem cobertura ou coberta. Assim, como só eu e você podemos ser. Únicos em suas imperfeições e detalhes perfeitamente arranjados. Certos e incertos de que é preciso virar o mundo de cabeça para baixo para entender o nosso amor. Confessos de que juntos ou afastados, nunca estaremos separados. 


12 de fevereiro de 2015

Noite de amor



Percorri o seu esplendido sorriso enquanto observava os seus passos,
Aguardava ansiosamente o seu toque-primeiro
Mas, com calma, respirava o seu cheiro
Até o momento em que me tomou em seus braços,
Na escuridão do seu quarto,
Na sofreguidão de seus abrasadores beijos.
Eu fui dele:
Um homem entregue a outro homem por inteiro.

Seu toque incendiou o meu corpo,
Sua pele, nua, desnudou o meu fogo
E a cama tornou-se o mundo,
Seu abraço, a galáxia,
Nossos corpos, o universo completo.
E, por mais que o sexo fosse um meio,
Confidenciou-me, dentro dos seus braços:
“É isso que importa!”,
Conexão, o fim derradeiro.

Entregues, corpo e alma,
Juntos, a noite inteira,
Prazeres infinitos,
A primeira de um primeiro

Na noite de amor inesquecível.
28 de janeiro de 2015

Despedida

Disseram...
Disseram tanto, disseram tudo
E as nossas palavras não foram ditas.
Pensamos...
Pensamos tanto, planejamos tudo
E alguém, quem de nós dois?, jogou a planta fora.
Choramos...
Choramos tanto, por tudo
E as nossas lágrimas semearam a confusão.

Eu andei três milhas,
Você voltou duas léguas
E nos desencontramos.
Disseram...
Tanto... Tudo!
E nós?
Nossas palavras não foram ditas.
Voltamos ao ponto de partida,
Distantes, você na entrada, eu na saída.

Disseram,
De um amor tão bonito, 
Dormindo de conchinha 
Em cima do travesseiro da cama.
Disseram:
"Éramos dois"
"Éramos um"
E agora
Somos dois,
Presos entre as palavras não ditas,
Perdidos em um desencontro,
Você na porta de entrada,
Eu na porta de saída,
Prestes a acenar a despedida.