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23 de dezembro de 2014

Insônia



Tudo está rodando. As minhas mãos tremem. A sensação não é tão ruim. Inebriante. Estimulante. Eu poderia continuar até a eternidade fazendo isso... Com você. Não com esse qualquer que faz estas caretas idiotas. Empurro a cadeira. Chuto a mesa. Pego as minhas roupas no chão. Abro a porta. Olhando para um ponto fixo na parede da sala, grito: “Sai daqui!”. Não tenho tempo pra explicações. Ou talvez isso tudo se passa na minha mente. Porque continuo lá, entre um orgasmo fingido ou desejado. Efêmero, em ambos os casos. Coloco a minha cueca e finjo escutar tudo o que o outro fala. Palavras, palavras, palavras. Como se eu me importasse. Como se algo realmente importasse.





“Que nome estranho!”. Vejo a foto dele no celular. Um chapéu na cabeça, moreno, um sorriso de tubarão na rosto. “Bonitinho”. “Você vai adorar ele, Gui!”.

Um beijo sufocante. Suas mãos percorriam e apertavam o meu corpo. Eu não resisti e comecei a percorrer todas as suas curvas. Detive-me nos botões da sua camisa e no zíper da sua calça, meus lábios sufocados nos seus. Um calor abrasador. E então...

"Você é vegano, né?". Olhei pra janela. O sol iluminava lá embaixo. Olhei pra ele e sorri. "Não, por que?". "Sei lá. Achei que você fosse". Sim, eu vegano e ele comprou lasanha quatro queijos. Sorri baixinho, lembrando da noite anterior e olhando o cara mais lindo do mundo cozinhando pra mim. 

Nós nos deitamos naquele chão frio. Exaustos. Eu me deitei em seu braço e ele me abraçou. Olhamos a janela. Por alguns minutos, o tempo para. A paixão nos preenche. Tudo o que importa é o calor dos seus braços.

“... E eu queria dizer que te amo”. Sorri, emocionado. O primeiro eu te amo. “O primeiro de muitos”, eu pensei. Guardei o meu celular e olhei para o infinito. A vida é mesmo muito boa. O sorriso insistia em continuar no meu rosto e eu não fazia nem um pouco de questão de tirá-lo.

 “Você aceita namorar comigo?”. Meu coração apertou, dentro do peito. Mesmo o seu hálito de álcool não quebrava a magia do momento. Mesmo a sua afirmação extremamente vergonhosa e constrangedora. Acho que eu balbuciei um ‘O quê?!?’. Eu me assustei, sem dúvidas. “Sim, eu aceito”. Você me abraça, na cama. Eu, o cabelo totalmente desarrumado e com a cara de quem acabou de acordar (literalmente) e você, bêbado, acabado, cara de quem acabou chegar de uma festa (literalmente).

“Esse está sendo um dos melhores carnavais”. Será? Porque o meu sim. Nós dois, aqui, sem ninguém. Eu, dentro dos seus braços. Dormindo e acordando com você. Passeando com você. Eu beijo você e dou um sorriso. “Tô com fome!”. Vou para a cozinha e, enquanto bebo água, olho fixamente para qualquer ponto e sorrio. A alegria não cabe dentro do peito. Como é bom amar!

“É sua!”. Eu seguro a minha respiração. Eu havia prometido que não usaria, mas aquela aliança era tão linda. Eu olhei pra ele e o abracei. Tudo tão perfeito. O melhor namorado do mundo.

“Nossa, essa mulher demorou demais!”. Meu coração a ponto de sair do peito. Finalmente. Meu namorado, conhecendo a minha família. Eu observo atentamente a reação da minha mãe. Ela sorri e o abraça. Minha vó, querida, amada. E, então, minha tia. “Finalmente!”. São amigos de infância. Tudo como em meus melhores sonhos. Esboço um sorriso de canto, talvez imperceptível. Talvez não.

“Eu sei que você quer que eu coloque a minha camisa azul”. Não queria assumir, mas realmente. Ele deixa a camisa desabotoada. Não falo nada. Mas ele está lindo. Esboço um grande sorriso. No final da noite, eu coloco a minha cabeça em seu ombro e escuto ele cantar Elis Regina. Todos felizes. Inclusive eu.

“Ele adora jogar na minha cara que eu não gosto dele, mas sabe como ele me pediu em namoro?”. Adoro ver a reação dos seus amigos quando falo isso. Eles sempre entram pro meu time. E com as duas não foi diferente. O moço não foi diferente. Mas eu gostava de ver como ele me abraçava, orgulhoso em dizer que eu era seu. Eu sempre me encolho naquele abraço e dou um sorriso. Este é o papel que eu nasci para interpretar.

“Me desculpa, amor. Eu fui um idiota. Me desculpa, por favor”. Foi só eu chegar em casa e vi a mensagem. Chorei muito. Mas o trajeto foi o suficiente para eu esquecer todas as mágoas. Eu gosto dele demais para ficar magoado por causa de uma briga. Claro que desculpo. Uma, duas, mil, um milhão de vezes. Ele me ama. E eu amo ele desesperadamente.

“Volta essa música, amor. É, essa mesmo!”. A música linda. Parece que eu já ouvi antes. Ela me lembra algum daqueles filmes da minha infância. Eu me deito em seus braços e ouvimos aquela música inteira, juntos. Eu não consigo deixar de sorrir. “É essa a nossa música, amor. Hymne a l’amour”.

“Espera só um minuto”. Vejo a rua, ao longe. Os carros passam. Risco o chão com o meu tênis. Será esta a nossa última vez. Treino o discurso que venho repetindo desde a última briga. Ele está com o casaco preto, sério. Lindo. E talvez, a partir de hoje não seja mais meu. Engulo as lágrimas. Vamos para a casa dele. No colchão, ele pergunta. Eu pergunto. E ele fala que é melhor não. Eu não quero que termine. Não quero. Não pode terminar assim. Ele olha pro chão. “Ok”. Eu o abraço. Ele me abraça. O seu abraço me sufoca. Minha boca procura a sua. Meu rosto procura o seu. Nossas mãos se unem. Sou dele novamente.

“Você tá dançando muitoooo!”. Ele está sorrindo, completamente bêbado. Nós dançamos loucamente. Saudades desses nossos beijos, nossos corpos entrelaçados e da falta de respiração que o tesão que eu sinto por ele me causa. “Tinha um cara olhando pra você”. Saudades desse ciúme besta. Eu não havia visto nenhum outro cara a festa inteira. Porque eu sou seu, meu bobo!

“Gui, eu já tô pronto”. Gui. Gui. Gui. O meu nome não sai da minha cabeça. Faz dois dias que ele não me chama de amor. Deve ser coisa da minha cabeça. Estou com a minha camisa branca, com o capuz cinza. Ah, ele não gosta dessa camisa. Coloco a minha camisa cinza, vermelha e preta. Desço o morro e ele está lá. Cara de cansado. Sem um sorriso. Trago a salada marroquina que a minha tia havia feito, junto com o presente dele. Ele vai adorar, tenho certeza. Ah, tenho que mostrar o vídeo da minha tia e da minha prima. Ele vai rir muito! Sorrio pra ele e ele me olha e esboça um sorriso ‘fake’. “Vamos almoçar. Preciso falar uma coisa com você depois”. Aconteceu algo. Eu me martirizo. O tempo não passa. Preciso saber o que é. Preciso desesperadamente saber o que é. E a hora chega. Ele só pode ter me traído. Não tem importância. O importante é a sinceridade. Eu o perdoo. “Eu quero um tempo”. Ele não me quer mais. Meu mundo caiu.




Exclui mais uma vez o Tinder. Hesitante, exclui também o Scruff. Por via das dúvidas é melhor excluir o Hornet também. Olho pra estante. Ele não a viu. No guarda-roupa, o seu chapéu. O chapéu branco. Da primeira foto. Sem querer derrubo a caixa. E, lá no fundo, a aliança. Tiro e observo.


Troco os dias pela noite. Olho no relógio. Três horas da manhã. Aumento a música. “You're gone and I got to stay high All the time to keep you off my mind High all the time to keep you off my mind Spend my days locked in a haze Tryin to forget you babe, I fall back down Got to stay high all my life to forget I'm missing you”.
14 de dezembro de 2014

Podre!



Podre.
A palavra reverbera,
Sonora, gritante
As mãos que deslizavam pelo seu corpo...
Podres!
Os dedos que pressionavam...
Podres!
Podres eram os sussurros das madrugadas,
Os contornos maliciosos,
Os olhares obscenos
E as incursões sorrateiras,
Tão complexas, pareciam troféus.

Era incontrolável o desejo,
Avassalador,
Abrasador,
O fogo queimava seus dedos
E o vazio...
Podre!
Demônio de si mesmo,
Escravo dos seus próprios ensejos,
Refém da sua falta de amor.
Sugava, então,
Qualquer beijo
De qualquer boca
A qualquer momento.

Mas, mais podre
Era sua falta e seu desespero
Por migalhas de sentimento.
Seu medo,
Podre, tão podre!
Que apodrecia tudo que ele tinha por dentro. 
13 de dezembro de 2014

Artur. Sem H.

Os finais de semana se arrastam com a lentidão de um século. Alterno entre criar uma história e contar o que realmente se passa. E por que não unir os dois? Mas, como eu ia dizendo, os finais de semana se arrastam. E o personagem que se arrasta na lentidão dos finais de semana poderia ser uma versão minha, incompleta de tão só, completa de potencialidades de tão amparado. Um nome diferente, afinal ninguém precisa saber das coisas loucas que se passam nas mentes estranhas dos dias vazios.

O nome do personagem é Artur. Assim mesmo, sem H. Sem h de homem, mas com h de hábito. Habituado era a alternar entre as mais diversas atividades. Ele acordava de manhã e, ainda na cama, pegava o seu computador. As notícias eram as mesmas. As mensagens continuavam inexistentes. O final de semana continuaria com o H de horrível. Ele se empolgava com alguma história interessante, alguma atividade que o preenchia por algumas horas. Almoçava. Saía, às vezes. Lia. Comia. Cantava. Dormia. Cochilava. Ligava. Mandava mensagem. Arrumava a casa. Passava roupa. Tirava o cadarço branco do tênis já lavado no meio da semana e colocava no lugar. Existência cruel.  

Talvez seja errado contrariar a realidade das coisas, ainda mais quando se estuda para ter introjetada a mentalidade do real como um espelho passível de reflexão. (Sim, jornalismo. Assim mesmo, com j minúsculo). Mas, com uma existência como a de Artur, será que não me permitem um pouco de licença poética? Pois bem. Artur era assim. Gostava dos finais de semanas completos. Repletos de atividade. Adorava trabalhar. O ócio é o que o matava. O tédio era seu maior suplício. Artur não era solitário. Não, não. Dizer tal coisa é um sacrilégio. Mas dizer que Artur tinha a companhia dos finais de semana é faltar com a verdade. Decidam-se vocês pelo pecado maior. Artur sofria da incompletude dos românticos. Ou do tédio dos que se acostumaram a ser por demais atarefados. Eu, como autor, prefiro a primeira opção, mas a segunda não é completamente falsa.

Sim, sim. Quanto drama, devem estar dizendo ou pensando. Como se o Artur já não o soubesse e, nos malditos finais de semana, se condenasse por sentir o que sente. E ele tentava. Não vamos condená-lo por falta de prática. Saía. Ia ao cinema. Passeava no bosque. Andava de ônibus. Saía com os seus amigos. E não sejamos exagerados. Nem todos finais de semana eram ruins. Havia os bons. Havia os ótimos. Havia os que ele queria congelar. Mas os ruins sempre se sobrepõem na memória.

Artur encontra um Lucas. Ou um André, um Carlos, um José, um Sebastião. Vazio como ele (nos finais de semana). Cheio como ele (nos dias úteis). Ansioso por compartilhar a inutilidade de uma companhia. Solitariamente solitário, amigavelmente repleto das melhores amizades. Talvez oposto por demais. Talvez parecido em excesso. Mas disposto. No final, não é esse o ingrediente mais importante?


Talvez tudo isso seja uma mentira. Talvez não. Talvez o Artur continue o mesmo, nos mesmos finais de semana. Mas ele segue. Bobo. Entediado. Empolgado. Com a esperança de encaixar o H certo do seu nome e tirar aquele outro sufocante H da sua vida.