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30 de agosto de 2014

Meias mentiras

Eu poderia dizer, nestas linhas tortuosas,
Que ainda sou seu.
Seu!
Corpo, alma, coração
Corpo das noites quentes e frias,
Alma do abraço de aconchego,
Coração da entrega sem medo.
Mentiria, porém, se o dissesse.
Em algum momento, eu me perdi de você,
Você se perdeu de mim,
Nós nos perdemos de nós mesmos

Eu poderia dizer, nestas estrofes desconexas,
Que eu o esqueci,
Que as lembranças foram fugazes,
Que os toques foram efêmeros
E que o amor era pequeno,
Foi pequeno.
Mentiria, porém, se o dissesse.
Meu corpo não lhe pertence,
Minha alma não é sua posse,
E, mesmo sem ser seu,
Meu coração se enternece com as lembranças
E não quer ter mágoa daquele que, por muito tempo, o aqueceu.

Eu poderia, e posso,
Dizer, porém,
Que no espelho
Eu me enxerguei
E hoje sei quem sou.
E não mentiria, não minto,
Ao dizer:

Foi maravilhoso amar e ser amado por você!


24 de agosto de 2014

Patologicamente lírico



Há coisas que só quem tem poesia na alma consegue entender. Alguma vez você já sentiu um tsunami, literalmente um tsunami, que o submerge e o afoga no mar de emoções? Você consegue sentir, claramente, a vida surgindo, com uma mão pesada, e o sacode, balança? Poesia não é apenas se emocionar. As emoções são naturais, afinal. Todo mundo sente. Tristeza. Alegria. Pena. Poesia é estar submerso nas emoções. Ser sacudido por elas. Sentir a emoção. Pensar a emoção. Transbordar a emoção. Ser poeta não é ser escritor. Há quem é poeta e não transforma em letras as suas emoções. Há quem transborde em cores. O vermelho da paixão ardente que consome o seu interior por baixo do amarelo do medo que aprisiona, dentro das formas abstratas de algo que não se sabe explicar. Poesia é não saber explicar. Há quem transborde em canção. A explosão de uma orquestra como a explosão da vida. Dentro de nós, nada é calmo. Tudo é explosivo.

Há quem escreve e não é poeta. Porque não explode. Porque não é sacudido pela vida. Porque nada afeta. Porque enxerga o mundo preto e branco. Ser poeta é ser um eterno incompreendido. O sentimento que transborda é parte. E a outra parte sempre está lá dentro. Você quer tirar tudo. Quer mostrar para o mundo aquilo que você sente. E as palavras não são suficientes. As cores não são boas o bastante. As canções não conseguem transmitir. E você insiste. E você sofre. E você mostra parte daquilo tudo.


Ser poeta é, por que não?, ser apaixonado. Estar apaixonado. Viver apaixonado. Apaixonar-se. Por uma ideia. Por um ideal. Por um trabalho. Pelas cores. Pelas letras. Pelo som. E, finalmente, por alguém. Ser poeta é ligar-se patologicamente a alguém. E pintar suas cores. Degustar o som da sua voz. Soletrar as letras do seu nome e sobrenome. Esculpir as formas do seu corpo. Gravar as diferentes expressões do seu rosto. Imitar os seus gestos. Acompanhar os seus passos na dança. Ser poeta é ser doente, estar doente e, talvez, permanecer doente. Porque, eis o nosso maior segredo, nunca conseguimos ser, estar e muito menos permanecer indiferentes. 
12 de agosto de 2014

Pressa de você

A saudade tem cheiro de Arbor,
Sorriso gigante,
Me chama de amor.
A saudade é apressada,
Ligeira, falante,
Hesitante, certeira.
A saudade tem gosto de pudim roubado,
Molho rosê compartilhado
E beijo molhado.
A saudade tem som de roda de samba,
Egocentrismo de criança
E amor, muito amor.
Amor que aperta minha mão e segura,
Abraço que sela a paz,
Amor dos cuidados que faz
Amor que eu sinto

Da saudade que você me traz. 


Longa estadia



Uma coisa não me entra na cabeça: que o amor deva ser uma entrada pela porta principal com uma saída rápida pela porta dos fundos assim que a casa começa a ficar bagunçada. Será mesmo masoquismo sentar no sofá da sala e esperar a poeira abaixar? Óbvio, tudo tem seus limites. Se o dono da casa quiser enfiar a poeira goela abaixo, não há cristão que aguente. Pior ainda se ele quiser que você limpe a casa dele. Mas acredito que o amor seja um pouco de suportar. Toda casa tem os seus tempos ruins: seja um inverno, onde nem mesmo a sua aconchegante lareira é capaz de esquentar; seja o verão chuvoso, onde nem mesmo as orações a São Pedro fazem com que a água pare de descer. Sair pela porta dos fundos nesses momentos é fácil. Mas há quem se esquece de que um abraço não acaba com o frio, mas com certeza o ameniza. E água, quando tem de sair, é melhor que saia no suave aconchego de uma intimidade bem construída. E intimidade não se constrói numa entrada de cinco minutos, com paciência apenas para o café. Intimidade surge quando a companhia se faz presente mesmo após a porta da sala emperrar, o forno do fogão estragar e o botijão perder o gás. E principalmente, quando o som do salão de festas não funcionar mais e o dono da casa descobrir que, nestes momentos, pode-se contar com o suave aconchego de uma conversa no sofá desgastado da sala de estar.


Sei lá, pode ser babaquice, pieguice, bobeira, romantismo barato, excesso de comédias românticas e projeções neuróticas. Pode ser coisa de outro século. Sei lá. Mas, para mim, amor é entrada na porta principal. A pré-entrada não importa. Pode ter sido uma conversa de bar, uma cantada sem graça no ponto de ônibus, uma cutucada no Facebook, um ‘sim’ no Tinder. Sem moralismos. O que importa é uma boa estadia na casa. Apaixonar-se pelos detalhes. Ser cativado pelas minúcias. E não se desmotivar com os contratempos. A janela, que levou tanto tempo para que você aprendesse a abrir do jeito certo. Os talheres, que foram sendo tirados da gaveta, um a um, e divididos. Os casacos, que ele tinha tanto ciúme de compartilhar, mas que se ajustaram tão bem a você. A cama, que parece cada dia mais macia. Os lençóis preferidos você já sabe de cor. Mas isso não significa que você não possa surpreender com novos. O tão temido sótão, que mostrou um surpreendente aconchego nos momentos necessários. Também lugar dos álbuns de recordação, museus sempre engraçados de serem remexidos. No final, o orgulho e a satisfação de saber que você ajudou e ajuda a abrir a janela, que não se importa nem um pouco em dividir os talheres, que ama os seus casacos, que se satisfaz plenamente com a cama e que respeita o sótão faz com que a vontade de sair pela porta dos fundos desapareça misteriosamente. Ou talvez nem tão misteriosamente assim.