Copyright © Palavra-poeta
Design by Dzignine
13 de janeiro de 2022

Pílulas

 

No caminho engoli algumas pílulas
Dissequei algumas firulas
E escutei você falar de dores que não são suas
E me calei.
Eu não gritei.
Eu deveria.
Eu não chorei,
Quando eu podia.

O galo não cantou três vezes,
Mas eu não hesitei em negar
O sangue que corre nas minhas veias.
Porque tem dias que falar me incendeia
Mas negar não me alivia
E, no final, eu sofro calado.
O sangue que corre nas minhas veias é o meu fardo
Crime do qual me sentenciaram culpado
Depois de lavarem suas mãos, tal qual Pôncio Pilatos.

No meio do caminho eu tropecei no precipício
E, mais uma vez, não cai.
O precipício é um velho amigo
Que os meus pés cansados rodeiam
Num ciclo de vícios e resquícios.
Só quem nunca se deixou cair (ou quem sobreviveu à queda)
Sabe o que é isso.
Suplício.

Hoje eu falo.
Porque tem dias que falar me incendeia
E negar nunca me alivia,
Mas escrever me aconchega.
E em dias como aquele, onde um pedaço de papel ousou tentar me destruir,
Eu luto, em luto eterno, para que o sangue que corre nas minhas veias
- Se não pra mim, para quem há de vir -
Nunca possa me definir
29 de agosto de 2020

Cidadão de bem


Questionar é proibido

Mimimi

Fui criado na base do rito

Silencio 

A dor da dor pela qual não me sensibilizo

E repito

Pra mim, pros outros, praqueles com quem convivo

Coitadismo 


O mundo tá careta

Não posso chamar gay de viado 

Nem insultar uma mulher preta

Cala a sua boca e não me julga

Me olha de baixo pra cima e se situa 

Sabe com quem tá falando, seu pária?

Não sou gente da sua laia

Sou cidadão de bem 

Bíblia debaixo da mão, arma apontada pra sua cara


Não tomo vacina

Só paquero as novinha 

Feminismo é meu saco

Lugar de mulher é na pia

Deus, Brasil, família 

Minha mulher limpando minha sala,

Meus amante chupando minha pica


Que mané privilégio,

Papo de comunista

Bom mesmo era na ditadura,

O auge da nossa economia

Se liga!

A terra é plana,

Mas ela gira 

Não uso máscara, nem vem me falar de vacina 

Essa tal de covid já deu,

É mentira 


Lula perdeu, babaca

Porque PT é partido de ladrão

Agora a direita que manda

Sou cidadão de bem, meu irmão 


Abaixo a hipocrisia

Viva Ustra, o terror da dona Dilma

Se liga!

Pros pobres duzentinho de auxílio,

Pros meus filho

Se liga,

É rachadinha


Sou cidadão de bem, meu irmão 

Só falar de família

Que os bobão acredita


16 de julho de 2020

Poderia



Eu poderia te amar
Sim, poderia!
Veja só que ironia!
Eu poderia te amar em outros tempos, 
naquela minha outra vida
Se me olhasse nos olhos
e lesse minh'alma,
entenderia

O amor há de nascer um outro dia,
Você me dizia,
E os meus olhos marejavam,
Calejados da habitual maresia
Eu duvido, respondia
E o coração palpitava
A palma da minha mão tremia
Seus lábios buscavam os meus
E eu fugia

Eu poderia te desejar
Veja só, eu queria!
Mas olhar nos olhos - e desejar!
Não basta,
Pois isso eu fiz, de novo faria
Ter seu corpo ao meu não diz nada
Quando o coração não quer mais poesia

E então, você me indagava
Pra sempre será você mesmo sua própria companhia?
E eu sorria
Veja só, que alegria
Só ou acompanhado,
essa é a única certeza que tenho quando me deito no final do dia

Que vida estranha,
vida vazia,
era o que você repetia
E o meu coração temia
Mas nada é pra sempre
Ser humano é afato,
Coração quer poesia
Hoje eu me deito
E durmo
Não desejo o amor como companhia
Um dia...
Veja só, eu dizia
Talvez você ou alguém volte a ser o desejo do final do dia

Hoje eu poderia te amar, 
Poderia,
Veja só, a ironia...
Po-de-ria...
22 de dezembro de 2019

Pele com pele



Pele com pele,
poema,
Seus lábios de mel
e o doce aroma que é seu,
o céu da sua boca,
estrela,
Cai do céu e incendeia
O meu corpo, sem roupa,
tapete, carpete, toalha, meia,
Peças jogadas,
no chão, colchão, areia
Duro como pedra,
Mole como pluma,
Entregue
como... só você consegue.
Torpe,
cruel,
me provoca e me arranha,
cê me bate, eu apanho,
cê cospe, eu engulo
e o seu toque me percorre,
seus dedos já me conhecem
e a sua boca não diz nada,
já diz tudo
Arrepio mudo,
Grito,
Peço arrego,
aconchego,
afeto, tato
cê me abraça, estremeço,
cê me ama, não me esqueço
E cê dentro de mim,
eu dentro docê.
Doce,
Suave,
Forte
ou violento
é o nosso ato de amor, nego,
é sexo,
vem sem moderação e sem receio.
17 de outubro de 2019

O sangue que corre nas minhas veias


Cuidado!
É o que vão dizer,
Disseram,
Ainda é dito:
Perigo.

Cuidado,
Sai dessa!

Tranquilo!
Já me conformei com o aviso,
Estou vacinado e fui circunscrito

Ao sangue que corre nas minhas veias,
À sina que se fez escrita,
Aos dias contados que, supõe-se,
Delimitam os traços da minha vida

Cuidado!
Tranquilo!
Cuidado!
Tranquilo!
Olá! Adeus!

Disseram:
- É dito! –
Fez-se sina de morte em vida,
Companhia maldita,
Viram-se os olhos, erguem-se as sobrancelhas:
Cuidado!
Coitado!
Fez-se resultado em vida da sina de todo viado:
Companhia maldita,
Justiça divina

- Cuidado!
Mas antes...
- Perigo!
... me ouça:
- Cuidado!
Sou mais do que...
- Sai dessa!
... o sangue que corre em minhas veias

Nem coitado,
Nem maldito,
Sem “Cuidado!”,
Deixa disso:
Não há perigo
Tem desmedido o seu receio
O sangue que corre em minhas veias



Só irá penetrar de um jeito:
Fazendo gozar pra fora, esporrar, leitar
O excesso do seu preconceito

Cuidado!
É o que vou dizer,
Já disse,
Ainda digo:
Perigo!

Cuidado!
Sai dessa!

Tranquilo!
Num mundo sem sangue exposto,
Um pensamento tão rústico
Só tem um destino:
Deposto,
Extinto.

Está com seus dias contados,
Cuidado!